domingo, julho 03, 2011

ELAS : RODICA WEITZMAN EM ENTREVISTA

Ela é quase uma prata da casa.
Se não tivesse nascido em Boston, Rodica Weitzman seria uma das nossas principais representantes femininas do Blues. Mas para nós, ela já tem a alma brasileira, com tempero mineiro e ginga carioca, lugares aqui onde ela tem um pouco de sua história em nossa terras.
Para quem não a conhece, segue uma entrevista onde ela simpaticamente concedeu a mim por e-mail às vésperas do nascimento de seu filho. Nos conta sobre sua origens, suas influências e seus projetos.

Conheça um pouco da cantora Rodica Weitzman.

GC: Quem é Rodica ?  Há quanto tempo no Brasil e como chegou até aqui ?
RW :Nasci em Boston e cheguei no Brasil em 1998.  Cheguei em Minas Gerais para trabalhar com um movimento de mulheres chamado Movimento do Graal como colaboradora nos diversos projetos e acabei ficando. Antes de chegar aqui já tinha trabalhado em vários países de America Latina. Todos os meus trabalhos eram vinculados a este movimento de mulheres, que tem atuação ao nível internacional em cerca de 20 países.  Também já visitei a Russia diversas vezes e morei lá durante um período maior em 1992.  Meu pai é de descendência russa, meus avós vieram de lá e sempre tentei manter esta ligação com as origens.

GC : Você é antropóloga por formação, como surgiu essa sua paixão pela música e em especial pelo Blues ?
RW : O fato de ser antropóloga com certeza influencia minha forma de ver o blues e conceber meu trabalho artístico. Tenho duas profissões há bastante tempo e lido com isso com tranquilidade porque sinto que minha trajetória no trabalho social e no campo da antropologia me ajuda como cantora. Lógico que minha experiência como cantora alimenta meu envolvimento na música.
Minha experiência com música começou bem cedo, aos 15 anos, com aulas de canto e participando de espetáculos musicais e corais.  Não tem músicos profissionais na minha família, mas todo mundo gosta de música e tem muito bom gosto. Tive uma formação lírica, eu queria ser cantora de ópera e minha vida era voltada para isso mas mudei o rumo numa certa época.  Acabei estudando ciências sociais em vez de música e me afastei durante muitos anos. Eu trabalho há 15 anos como assessora de ONGs e movimentos sociais, na coordenação de diversos projetos sociais e conheço muitas realidades de Brasil (especialmente de Minas Gerais, onde trabalhei por mais tempo) porque desenvolvi projetos em vários tipos de comunidades - quilombolas, comunidades indígenas, assentamentos de reforma agrária, comunidades rurais e urbanas. Agora estou um pouco afastada de minhas atividades de campo porque estou finalizando o mestrado em antropologia e vou continuar meus estudos para um doutorado.  O que isso tudo tem a ver com a música?  Bom, acho que sou uma pesquisadora, seja onde for. Então, sinto que quando vou entrar no espírito de um projeto musical, um CD, ou o que seja, estou pesquisando e tentando descobrir as coisas, entender o que gerou aquelas músicas.  Tenho um espírito de inquietação, de curiosidade que me incentiva no meu trabalho e não importa em qual campo seja.  E gosto de saber o que está em torno da música em si, isto é, em qual contexto sócio-político estas músicas foram criadas e como foi o processo de criação.

GC : Cantoras sempre possuem algumas influências, pode falar sobre algumas delas ?
RW : Cresci numa época de pós-movimento dos direitos civis norte-americanos nos Estados Unidos. O blues, o jazz e o folk entravam pelos fundos de nossa casa e penetrava meus ouvidos. As vozes das divas Ma Rainey, Bessie Smith, Billie Holliday, Nina Simone, Joan Baez e Joni Mitchell enchiam a minha casa de musica quase todos os dias.  Eu adorava escutar essas músicas através da voz feminina e percebia a valiosa contribuição que as mulheres deixaram como herança no gênero que conhecemos mundialmente como Blues.
Minha paixão pelo blues, enquanto gênero musical, foi crescendo na medida em que conseguia compreender o contexto sócio-político no qual surgiu e no qual foi adquirindo vários significados.  Fui educada num ambiente familiar que refletia as lutas sociais e políticas da época, cresci acreditando que a música é também uma forma de protesto e de manifestação. Por essa razão fui atraída pelas canções de trabalho, as work songs, os spirituals e o blues que ao mesmo tempo em que expressam tão fielmente a dor dos negros num país injusto são sinais de resistência de um povo extremamente criativo que cavou seu espaço numa sociedade tão dividida.
Nina Simone, na minha opinião, é uma das divas do blues que mais se inseriu na luta daquela época.  Quando ouço sua voz, entro em contato com emoções muito intensas, o que é uma das marcas do blues.  O blues consegue entranhar na alma humana e conectar emoções como o desejo, o amor, as perdas e a tristeza com intensidade e verdade.  O que mais me fascina é sua capacidade para se adaptar e interagir com outras influências culturais da época, fluindo na correnteza dos tempos.  Desde o início de minha carreira musical eu adorava pesquisar todas as vertentes do blues para compreender sua amplitude enquanto gênero musical, além de explorar a diversidade de sua origem.

GC : Um dos seus projetos musicais é chamado de Jungle Jazz. Fale um pouco sobre ele.
RW : Eu sempre trabalhei nos dois campos, blues e jazz. Ao meu ver, o blues foi a raíz que permitiu com que o jazz existisse, que foi uma mistura entre blues e ritmos europeus e na realidade enriqueceu sua linguagem a partir de outras influências.  Mas jazz não teria existido sem blues, que é de fato a base.  Esta compreensão é muito fundamental para meu trabalho musical e eu vejo claramente uma conexão entre os dois gêneros e busco formas de relacioná-los. No jazz gosto de ouvir Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald e Diana Krall e Cassandra Wilson, as grandes divas, além de Nat King Cole, Lester Young e Duke Ellington.
Jungle Jazz foi uma banda que formei em Minas Gerais quando morei em Belo Horizonte com o objetivo de mostrar esta relação. Paralelamente a este projeto desenvolvi nesta época um trabalho sobre as raízes de blues, o que precedeu o blues.  Há alguns anos iniciei uma pesquisa em parceria com cantor e compositor mineiro Sérgio Pererê para mostrar as relações entre as expressões musicais destes dois países: EUA e Brasil, unidos pela matriz africana.  Esta pesquisa resultou no show “Rosário de Peixes” realizado em 2007 na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes em Belo Horizonte/MG, e em 2008 no Festival “Tudo é Jazz” em Ouro Preto/MG. Também fruto desta pesquisa é a produção de meu primeiro CD “Do Mississipi ao São Francisco”.

GC : E a Rodica Blues Band ? Você tem 1 cd lançado intitulado “Do Mississipi ao São Francisco”, são dois grandes rios propulsores de grandes histórias.  Fale sobre a idéia deste trabalho e os músicos que a acompanharam.
RW : Foi um CD lançado em 2009 e apoiado pela Lei de Incentivo a Cultura com patrocínio da TIM. A idéia do disco é ir ao encontro dos dois rios, o Mississipi e o São Francisco. Rios que não se encontram na realidade mas que se encontram no meu imaginário. Rios que, como nos cantos dos escravos afro-americanos, representavam uma travessia ou passagem que poderia levá-los à libertação.
O que tento mostrar neste CD é como a matriz negra e africana está presente no blues, no samba, no choro, no jazz, no reggae, no rock, no congado, irmanando em essência estes e outros tantos ritmos e estilos, sem se importar o país em que floresçam. A Rodica Blues Band foi uma banda que formei em Belo Horizonte mas não existe mais.

GC : E os próximos projetos ?
RW : Meu próximo projeto é meu segundo CD chamado Blues in my Blood que vai ser lançado em breve.
O disco foi um longo caminho musical realizado a partir da música africana, vindo dos spiritual, os cânticos de trabalho e louvação, do gospel, do jazz e do blues até os dias de hoje, numa viagem carregada de tradição que atravessa os limites de tempo e espaço, como uma jornada de tradição até a modernidade quando esses elementos se fundem com o rock gerando um híbrido contemporâneo sem no entanto  esquecer as origens do Blues, que é o eixo que define o álbum desde o início até o fim.
A banda base deste trabalho é o Blues Groove que tem Otávio Rocha na guitarra, Beto Werther na bateria, Ugo Perrota no baixo e Marco Tommaso no piano.  O álbum é apoiado  pela gravadora Delira Música e ainda conta com as participações especiais do cantor e percussionista Sérgio Pererê, o guitarrista Julio Bittencourt, o baixista Bruce Henry e os cantores cariocas Ricardo Werther, Álamo Leal e do gaitista  Flávio Guimarães do Blues Etilicos. No repertório tem composições minhas e interpretações de Bill Withers, Keb’ Mo’, Howlin’ Wolf, J.B. Lenoir entre outros.

GC : O Brasil é um país muito musical, talvez não tanto quanto a America, mas tivemos e ainda temos as nossas ondas musicais seja na música popular, na bossa, na música instrumental, no balanço soul enraizado nos anos 70’ e também no blues. Estilos bem particulares, regionais ou não, além de músicos excepcionais. Como você vê o movimento Blues no Brasil ?
RW : Sim, concordo com você que Brasil é um país muito musical. Gosto muito desta diversidade musical, que tem muito a ver com a diversidade cultural, dos povos. Brasil é o país da mistura e suas linguagens musicais demonstram claramente esta mistura.
Penso que o Blues no Brasil vem se consolidando cada vez mais, tem um público fiel e tem seus festivais especialmente voltados para este gênero.  Hoje em dia a gente percebe que há muitos festivais de "blues e jazz" acontecendo em vários cantos de Brasil, é um processo de expansão. Mas, questiono às vezes a qualidade deste blues que está sendo apresentado, ou seja, penso que tem sido associado com o "underground", este terreno informal - que permite as vezes que "qualquer coisa vale" - aí, não se preocupa com a pesquisa, com o aperfeicoamento daquilo que se cria. No meu ver, não podemos ficar acomodados com aquilo que estamos criando. A improvisação, a criatividade e a inovação são elementos que precisam estar presentes sempre. Estão surgindo cada vez mais bandas de blues, mas qual é a novidade que estão trazendo para o cenário nacional ?

GC : Hoje você mora no Rio de Janeiro e parece que o Blues, em particular, tem tomado fôlego novamente com mais espaços e sabemos que público sempre tem. Como você vê o impulso de novas oportunidades de palco e também para a formação de um novo público, jovem e louco por música ?
RW : Acho que Rio de Janeiro tem possibilidades para explorar mais o blues, com certeza. Claro que é a capital do samba, o que tira um pouco a força do blues mas tem muitas influências de fora, é uma cidade cosmopolitana e isso ajuda muito a trazer novas linguagens. E tem público, a questão é como consolidar este público que existe criando espaços permanentes onde o blues possa estar sempre a mostra, esse é o nosso desafio.

GC :  Eu assisti a Taryn Spilman no palco do Rio das Ostras com 8 meses de gravidez e uma energia vibrante. E voce também grávida aos 8 meses também estava no palco. Você imagina seu filho/a como um herdeiro musical ?
RW : A gravidez coincidiu com a "gestação do meu CD"  e a senti muito viva ao longo deste processo criativo.  Acho que meu filho esteve presente desde o início deste processo criativo e acompanha todo o que faço no palco dentro da barriga.  Sinto sim, que a música corre nas minhas veias e deve chegar até ele de alguma forma. Penso que meu filho vai ser herdeiro de muitas coisas minhas, da minha preocupação com o social, com a justiça e com a música. São muitas influências.

GC : Uma música em especial ?
RW : Gosto de cantar spirituals  para meu filho, parecem músicas para ninar. Uma música em especial que está no primeiro CD : "Swing Low, Sweet Chariot".

Um comentário:

EDGARD GTR disse...

CONTAR COM UMA NATIVA NORTE AMERICANA PRA INCENTIVAR O BLUES NO BRASIL É TUDO DE BOM.
OS PRIMEIROS ACORDES QUE FIZ EM UMA GUITARRA FORAM PARA UM BLUES.
E DESDE ENTÃO NUNCA MAIS DEIXEI DE TOCA-LO. AMO BLUES.
EU ESTAREI NO RIO DE JANEIRO EM BREVE E GOSTARIA DE CONHECER O TRABALHO DA RODICA.
BOA SORTE .